A obra até chegar
a ficar pronta é necessário o artista dá-se por satisfeito e concluí-la, e
nesse longo percurso passa por mil conjecturas, edições e cortes. Isso qualquer obra. O restante é atirado à
lixeira sem culpa.
Acredita-se que na feitura de uma obra perdem-se
aproximadamente noventa por cento do que se anotou em suor e lágrima. Não se
especulou a causa, mas creio que além de motivos estéticos, há os motivos
humanos: orgulho, vaidade, medo de se desnudar, medo disso e medo daquilo.
Como já
dizia Drummond em sua poesia “Congresso internacional do medo”
“...existe
apenas o medo, nosso pai e nosso companheiro,
o medo grande dos sertões, dos mares, dos desertos,
o medo dos soldados, o medo das mães, o medo das igrejas,
cantaremos o medo dos ditadores, o medo dos democratas,
cantaremos o medo da morte e o medo de depois da morte.
Depois morreremos de medo
e sobre nossos túmulos nascerão flores amarelas e medrosas”.
E o medo da
folha em branco? E após as letras?
Verdade é
que a lixeira recebe mais dos autores.
Aí pensei
com meus botões:
Já
imaginaram o romance “Crime e castigo” de Dostoiévski com suas mais de
novecentas laudas, quanto de Raskólnikov ele não teve que atirar ao lixo? (Aqui
pesquisei e soube que ele ganhava por lauda escrita então como dizem “O buraco
era mais embaixo, não deve ter sobrado tanto assim, pois era questão de
sobrevivência”).
E quem não é
sobrevivente?
E mesmo ele
sendo um autor prolixo (aqui não use o sinônimo de enfadonho e sim denso), que
era, cortou muita coisa para que sua obra desse o resultado que admiramos. Obra fantástica.
Já pensou a
lixeira de um Fernando pessoa e seus heterônimos? Quantas batalhas entre eles?
De Kafka
quando escreveu A metamorfose. Compreenderíamos tudo? Chegaríamos ao fio da
meada? A planta baixa como disse bem Autran Dourado no seu livro “Poética de
romance matéria de carpintaria”, ou Rubem Fonseca que pensamos que aquelas
coisas densas que escreve saem normalmente e vem assim em novelo, frase atrás
de frase.
E tantas
outras obras importantes. Quanto valeria tais lixeiras? Não tenho a mínima ideia. Só sei que tais sobejos, seriam valiosíssimas para sabermos como de uma
pedra bruta saem os diamantes. Ou não.
Há autores virtuosos
que diz em carta, que sua obra poderia ser
jogada toda no lixo que foram erros imperdoáveis da juventude ou outro que só foi
publicado após sua morte
contrariado por seu
secretário pois seu sonho inicial era
atirar tudo ao fogo. Mas ainda bem que se conteve e a publicou. Sucesso total.
Então a
lixeira como a chamarei nada mais será do que o local onde jogarei meus
dejetos, obras que chegaram ao quase, quase conto, quase romance quase poesia.
Tudo que tentei criar e não deu certo. Será um depósito de coisas vulgares, pequenas
ilusões. Masturbações embaixo do chuveiro. Escritos que não emprenharam. Feridas
imundas. Meu lixo. O lixo que todo ser vivente tem guardados no lado sombrio da
alma. É aquela coisa de Deus e o diabo, a sombra e a luz, O branco e o negro. Um depende do outro e vice versa. Herói e
vilão.
-Orgulho! Vaidade! Sobriedade!
Bêbado! Escracho! Descabimento! Impossível! Quer se comparar!
-Não! Não e Não! Respondo
veementemente a minha sombra. Meu subconsciente, o crítico.
Aliás os críticos
que se contenham, pois já tenho tal personagem em mim que não me deixa voar.
Quero ser livre. Livre! De todas as mazelas. Preconceito, moral, escola,
influencias...
Se fossem me
conceituar num desenho seria uma pintura em nanquim onde estaria uma árvore
frondosa e alada. Suas raízes na superfície como garras segurando-me ao chão
enquanto as asas batendo forte no afã do voo e meu rosto contraído demonstrando
luta e dor. Alguns frutos informes. Os
verdes, sem aroma, os pássaros não os rodeiam. Os podres pelo chão germinando. As raízes me prendem ao normal. As asas a tentativa
de fuga, do lugar comum, em busca da musa, o estágio perto da criação, parecido
com a loucura. Na base do desenho a terra, a mãe, leito final.
Existem dois insetos contra a obra de arte. A traça e o crítico. A primeira, a traça, eu creio
que qualquer tribunal de primeira instância a inocentaria. Nos autos a causa seria
famélica. Elas adoram um papel. Já o crítico esse sim, sem perdão, pois destrói
a obra por simples inveja. E inveja todo mundo sabe, é pecado capital. Conheço
autores que usaram bem dos críticos e a
dose que era para matar os engordou e suas obras tornaram-se Best Sellers.
A decisão de
expor minha lixeira, - feridas fétidas, foi pura e simplesmente pela
modernidade. Hoje a ordem é reciclar tudo para não poluir o meio ambiente. E há
estudos científicos que os nossos dejetos podem se transformar em energia.
Aos que
lerem alguma coisa por aqui, ajudarão, pois é só com vossas conivências e
cumplicidades, que a obra se completa, mesmo sendo algo abstrato, indelével e
invisível, é primordial, o sentimento pois é em vossas mentes que despertamos o
que queremos. Vós sois espelhos de nós mesmo.
E como disse
Machado de Assis: se eu arrebanhar um leitor apenas já me sinto satisfeito.
1 de julho
de 2016