quinta-feira, 30 de junho de 2016

Exórdio

               
                                             


                                                                         Exórdio


A obra até chegar a ficar pronta é necessário o artista dá-se por satisfeito e concluí-la, e nesse longo percurso passa por mil conjecturas, edições e cortes.  Isso qualquer obra. O restante é atirado à lixeira sem culpa.

 Acredita-se que na feitura de uma obra perdem-se aproximadamente noventa por cento do que se anotou em suor e lágrima. Não se especulou a causa, mas creio que além de motivos estéticos, há os motivos humanos: orgulho, vaidade, medo de se desnudar, medo disso e medo daquilo.
Como já dizia Drummond em sua poesia “Congresso internacional do medo”


“...existe apenas o medo, nosso pai e nosso companheiro,
o medo grande dos sertões, dos mares, dos desertos,
o medo dos soldados, o medo das mães, o medo das igrejas,
cantaremos o medo dos ditadores, o medo dos democratas,
cantaremos o medo da morte e o medo de depois da morte.
Depois morreremos de medo
e sobre nossos túmulos nascerão flores amarelas e medrosas”.

E o medo da folha em branco? E após as letras?

Verdade é que a lixeira recebe mais dos autores.
Aí pensei com meus botões:

Já imaginaram o romance “Crime e castigo” de Dostoiévski com suas mais de novecentas laudas, quanto de Raskólnikov ele não teve que atirar ao lixo? (Aqui pesquisei e soube que ele ganhava por lauda escrita então como dizem “O buraco era mais embaixo, não deve ter sobrado tanto assim, pois era questão de sobrevivência”).
E quem não é sobrevivente?
E mesmo ele sendo um autor prolixo (aqui não use o sinônimo de enfadonho e sim denso), que era, cortou muita coisa para que sua obra desse o resultado que admiramos.  Obra fantástica.
Já pensou a lixeira de um Fernando pessoa e seus heterônimos? Quantas batalhas entre eles?
De Kafka quando escreveu A metamorfose. Compreenderíamos tudo? Chegaríamos ao fio da meada? A planta baixa como disse bem Autran Dourado no seu livro “Poética de romance matéria de carpintaria”, ou Rubem Fonseca que pensamos que aquelas coisas densas que escreve saem normalmente e vem assim em novelo, frase atrás de frase.
E tantas outras obras importantes. Quanto valeria tais lixeiras? Não tenho a mínima ideia. Só sei que tais sobejos, seriam valiosíssimas para sabermos como de uma pedra bruta saem os diamantes. Ou não.

Há autores virtuosos que diz em carta, que  sua obra poderia ser jogada toda no lixo que foram erros imperdoáveis da juventude ou outro que só foi publicado após sua morte  contrariado  por seu secretário  pois seu sonho inicial era atirar tudo ao fogo. Mas ainda bem que se conteve e a publicou.  Sucesso total.

Então a lixeira como a chamarei nada mais será do que o local onde jogarei meus dejetos, obras que chegaram ao quase, quase conto, quase romance quase poesia.
 Tudo que tentei criar e não deu certo.  Será um depósito de coisas vulgares, pequenas ilusões. Masturbações embaixo do chuveiro. Escritos que não emprenharam. Feridas imundas. Meu lixo. O lixo que todo ser vivente tem guardados no lado sombrio da alma. É aquela coisa de Deus e o diabo, a sombra e a luz, O branco e o negro.  Um depende do outro e vice versa. Herói e vilão.

          -Orgulho! Vaidade! Sobriedade! Bêbado! Escracho! Descabimento! Impossível! Quer se comparar!
          -Não! Não e Não! Respondo veementemente a minha sombra. Meu subconsciente, o crítico.

Aliás os críticos que se contenham, pois já tenho tal personagem em mim que não me deixa voar. Quero ser livre. Livre! De todas as mazelas. Preconceito,  moral,  escola, influencias...

Se fossem me conceituar num desenho seria uma pintura em nanquim onde estaria uma árvore frondosa e alada. Suas raízes na superfície como garras segurando-me ao chão enquanto as asas batendo forte no afã do voo e meu rosto contraído demonstrando luta e dor. Alguns frutos informes.  Os verdes, sem aroma, os pássaros não os rodeiam. Os podres pelo chão germinando.  As raízes me prendem ao normal. As asas a tentativa de fuga, do lugar comum, em busca da musa, o estágio perto da criação, parecido com a loucura. Na base do desenho a terra, a mãe, leito final.

 Existem dois insetos contra a obra de arte.  A traça e o crítico. A primeira, a traça, eu creio que qualquer tribunal de primeira instância a inocentaria. Nos autos a causa seria famélica. Elas adoram um papel. Já o crítico esse sim, sem perdão, pois destrói a obra por simples inveja. E inveja todo mundo sabe, é pecado capital. Conheço autores que usaram bem dos críticos  e a dose que era para matar os engordou e suas obras tornaram-se Best Sellers

A decisão de expor minha lixeira, - feridas fétidas, foi pura e simplesmente pela modernidade. Hoje a ordem é reciclar tudo para não poluir o meio ambiente. E há estudos científicos que os nossos dejetos podem se transformar em energia.

Aos que lerem alguma coisa por aqui, ajudarão, pois é só com vossas conivências e cumplicidades, que a obra se completa, mesmo sendo algo abstrato, indelével e invisível, é primordial, o sentimento pois é em vossas mentes que despertamos o que queremos. Vós sois espelhos de nós mesmo.
E como disse Machado de Assis: se eu arrebanhar um leitor apenas já me sinto satisfeito.

1 de julho de 2016

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